entrevista a joão ribeiro de almeida na quidnews

João Ribeiro de Almeida

Acredita que as tecnologias digitais podem apoiar o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)? Se sim, consegue indicar-nos os objetivos em que a tecnologia tem maior potencial de impacto?

Sim, as tecnologias digitais podem apoiar o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Na perspetiva da cooperação bilateral, implementada pelo Camões, IP, os ODS onde a tecnologia tem potencial para ter um maior impacto, são o 3) Saúde de Qualidade e o 4) Educação de Qualidade.

De uma forma geral, o potencial das tecnologias digitais é importante para apoiar o cumprimento dos ODS, embora com os conhecimentos e o desenvolvimento tecnológico atual este impacto possa ser mais óbvio num conjunto mais restrito de ODS, como sejam os referidos no parágrafo anterior. A estes dois acrescentaríamos: 2 – erradicação da fome, 6 – água potável e saneamento, 7 – energias renováveis e acessíveis, 8 – trabalho digno e crescimento económico, 9 – indústria inovação e infraestruturas, 10 – redução das desigualdades, 11 – cidades e comunidades sustentáveis, produção e consumo sustentáveis, 13 – ação climática, 14 – proteção da vida marinha e 15 – proteção da vida terrestre. O bom desempenho nestes ODS contribuirá para a erradicação da pobreza.

No plano europeu, Portugal tem apoiado a promoção da agenda do “Digital for Development” (D4D), incluindo a adoção, em 2017, de Conclusões do Conselho sobre esta matéria, nas quais se aponta que o digital pode contribuir para a realização de progressos em várias áreas como a igualdade de género, a boa governação e o Estado de Direito, as migrações, a saúde, a educação, a agricultura, a energia e as alterações climáticas e, ainda, a criação de emprego sustentável.

Portugal subscreveu, em dezembro 2020, conjuntamente com outros dez Estados-membros (Alemanha, Bélgica, França, Estônia, Luxemburgo, Espanha, Suécia, Holanda, Lituânia e Finlândia), uma carta de intenções sobre a cooperação da UE em matéria de D4D no âmbito da iniciativa “Equipa Europa”, a qual junta Instituições Europeias, Estados-membros e atores relevantes.

O digital constitui uma prioridade para a Presidência Portuguesa no Conselho da União Europeia, sendo de assinalar que na área da Cooperação para o Desenvolvimento, esta temática assume um caráter horizontal, cruzando-se com o Desenvolvimento Humano (fonte de inovação nas áreas da saúde e da educação).

E quais as áreas que melhor podem usufruir da tecnologia?

Todas as áreas económicas, ambientais e sociais poderão beneficiar da tecnologia.
Todavia, no âmbito da Cooperação Bilateral implementada pela Camões, I. P., as áreas que melhor podem usufruir da tecnologia são a saúde e a educação, enquanto bens públicos globais e enquanto áreas com um grande potencial multiplicador ao nível do desenvolvimento sustentável.

No que toca à Saúde, a Cooperação Portuguesa tem vindo a desenvolver um Projeto, em São Tomé e Príncipe (STP), no qual a tecnologia tem tido um papel relevante. Trata-se do “Projeto Saúde para Todos”, projeto de referência no sector da saúde e que tem logrado resultados expressivos na melhoria dos indicadores de saúde em STP, ao garantir o acesso aos cuidados básicos, promovendo a prevenção e tratamento precoce de situações clínicas e nos cuidados especializados prestados nos dois hospitais em STP. Especialmente, na componente de cuidados especializados, o projeto tem focado grande parte da sua ação na telemedicina.

O recurso a uma interface que pode ser ligada a um qualquer computador portátil e equipamento médico (ecógrafo, TAC, etc.) permite a transferência das imagens para ambiente web. Estas imagens, bem como o ficheiro clínico do doente, podem ser partilhadas por um ou vários médicos/técnicos de saúde, em qualquer parte do mundo, podendo os exames atuais e anteriores, ser visualizados em simultâneo e partilhados com todos os assistentes.

A telemedicina permite que a marcação de consultas, o carregamento de exames e ficheiros clínicos e a sua manipulação em direto, bem como o contacto direto entre doente e médico, dependa de um computador normal com uma simples ligação à internet de 1 MB.
Em 2015, foi acrescentada mais uma valência da telemedicina, o TELEYE®, que permite a realização de exames oftalmológicos completos à distância, em tempo real ou diferido. O TELEYE® é constituído por equipamentos oftalmológicos integrados na plataforma de telemedicina, que permitem a realização de diferentes exames oftalmológicos, cujas imagens têm a qualidade, acuidade e rigor exigidos para a obtenção de um diagnóstico clínico seguro, à distância.

No domínio da Educação, o recurso a plataformas digitais é também, e especialmente, nestes tempos de pandemia, uma alternativa aos métodos tradicionais de ensino.
As soluções de e-learning ou b-learning têm vindo a ser, estrategicamente, equacionadas em algumas intervenções, contudo e tendo em conta as geografias de intervenção privilegiadas da Cooperação Portuguesa, o recurso a estas soluções ainda não é generalizado tendo em conta as limitações existentes quer ao nível das coberturas de rede, quer dos custos associados.

No âmbito da cooperação europeia, o Camões, IP gere projetos em nome da UE, sendo de destacar dois que, direta ou indiretamente, contribuem para a modernização e melhoria da governação e infraestruturas de serviços como áreas indicativas:

  • Projeto GESTDOC (Modernização e Reforço da Cadeia de Identificação e Segurança Documental em Cabo Verde e na Guiné-Bissau), cujo objetivo assenta na melhoria dos níveis de segurança e da gestão das migrações em Cabo Verde e na Guiné-Bissau, através da modernização do sistema de emissão de documentos de identificação, reforçando, assim os níveis de segurança e a capacidade da aplicação da lei, incluindo controlo documental fronteiriço e questões relacionadas com migrações;
  • O PASP PALOP-TL (Projeto de Apoio à Melhoria de Qualidade e Proximidade dos Serviços Públicos dos PALOP e Timor Leste), embora tenha terminado em 2018, constitui outro bom exemplo da importância do digital. O objetivo do projeto passou pela modernização das administrações públicas dos PALOP e TL, através da informatização dos serviços públicos (Governação Eletrónica).

No plano multilateral, de referir a Agenda Digital CPLP e o Centro de Excelência da União Internacional das Telecomunicações (UIT) para países africanos de expressão portuguesa. A Agenda Digital da CPLP, tem quatro pilares: infraestrutura de comunicações eletrónicas; serviços digitais; segurança digital; e alfabetização digital.

Em comparação com 2015, altura em que as Nações Unidas desenharam e adotaram os ODS, a conjuntura socioeconómica está totalmente diferente devido à pandemia, que veio dificultar o cumprimento do programa. A 10 anos da meta, parece-lhe ainda possível atingirmos estes Objetivos?

É inegável que a pandemia COVID-19 teve um impacto significativo sobre todas as economias, a saúde e o bem-estar das pessoas, colocando em risco décadas de desenvolvimento, particularmente entre os países mais vulneráveis, ao mesmo tempo que veio colocar uma pressão redobrada sobre os países mais avançados e os de rendimento médio, que, através das suas instituições, tentam fazer face às necessidades domésticas, ao mesmo tempo que providenciam apoio a países parceiros, no âmbito das redes de cooperação multilateral.

Contudo, é justo constatar que mesmo antes da disseminação do vírus a nível global, os ODS estabelecidos pelas Nações Unidas em 2015 já representavam por si só, um desafio extremamente ambicioso para a comunidade internacional.

De acordo com dados veiculados por diversas fontes sabemos que mesmo removendo o impacto da pandemia, cerca de 6% da população mundial ainda estará a viver em condições de pobreza extrema em 2030. E este número pode aumentar. Estimativas recentes sugerem que os efeitos do COVID-19 poderão adicionar 71 milhões de pessoas a este valor, devido aos efeitos devastadores do coronavírus sobre as sociedades e as economias.

Este é apenas um dos vários exemplos que demonstram o quão mais difícil é neste momento alcançar os ODS, que trazem consigo desafios amplificados, decorrentes dos custos sociais e ambientais da pandemia.

Não obstante esta realidade, existem várias conquistas sobre as quais podemos encetar esforços no sentido de construir melhor no futuro. A primeira, é a rápida mobilização à escala mundial que os vários países têm seguido no desenvolvimento de esforços que visam a implementação da Agenda 2030 e das várias campanhas de promoção dos ODS, em ações verdadeiramente sem precedentes. Neste aspeto, em particular, verificamos como todo o sistema das Nações Unidas tem sido reformado para garantir, nesta matéria, um maior apoio aos Estados-Membros, nomeadamente através de um novo sistema de Coordenador Residente.

A segunda conquista verifica-se ao nível político, onde, não obstante as restrições causadas pelos confinamentos e períodos de quarentena, estes compromissos internacionais têm recebido um foco exaustivo através da realização de inúmeras conferências, reuniões e fóruns de alto-nível, onde têm sido apresentados centenas de relatórios voluntários de governos nacionais que descrevem, com detalhe, o grau de implementação dos 17 ODS, bem como os desafios encontrados e soluções de superação.

A terceira conquista tem a ver com a rápida assimilação e promoção dos ODS por parte de todos os agentes envolvidos, desde a sociedade civil às ONG, o sector privado, as PME, os governos locais e regionais, as instituições de ensino e os cidadãos individuais, particularmente os jovens. Com efeito, podemos verificar que todos os stakeholders abraçaram esta causa com motivação e entusiasmo, o que nos deixa com motivos para sermos mais otimistas em relação à década de ação que agora iniciamos.
Mais do que todos os países atingirem os objetivos, e apesar do revês ocasionado pela pandemia, o importante é continuarmos a trabalhar para que os mesmos sejam atingidos.

Como podemos recuperar este ano durante a próxima década?

Os desafios trazidos pela pandemia vieram colocar em risco a concretização dos ODS na escala e velocidade necessárias para cumprir as metas da Agenda 2030.
A Década de Ação exige soluções sustentáveis aceleradas para muitos dos desafios que atualmente enfrentamos, desde a pobreza extrema, às desigualdades sociais e às alterações climáticas.

Em setembro de 2019, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, convocou todos os sectores da sociedade para se mobilizarem para uma década de ação em três níveis: uma ação global para garantir maior liderança, mais recursos e soluções mais inteligentes para os ODS; uma ação local incorporando as transições necessárias nas políticas, orçamentos, instituições e estruturas regulatórias de governos, cidades e autoridades locais; e finalmente uma ação popular, incluindo os jovens, a sociedade civil, o sector privado, os media, os sindicatos, as universidades e outras partes interessadas, no sentido de originar um movimento ativo em busca das transformações necessárias.

É, por isso, importante que os países consigam traduzir as suas ações em maiores investimentos em serviços públicos (saúde, saneamento, água, educação), sistemas de proteção social alargados e, cada vez mais, na esfera da conectividade digital, que tem aproximado pessoas, serviços e negócios, mesmo no contexto de distanciamento social em que atualmente vivemos.

Estas ações implicam caminharmos rumo a uma economia mais inclusiva, verde e respeitadora dos direitos humanos, que estimule uma maior igualdade e sustentabilidade dos recursos existentes, com maior capacidade de resiliência face aos riscos externos. Assim, é necessário melhorar a nossa capacidade de previsão de futuras pandemias, mas também reformular, desde já, a forma como trabalhamos, aprendemos e consumimos.
Isto quer dizer que, durante a próxima década, recuperar o que foi perdido exigirá não apenas determinação, mas também um grande sentido de urgência por parte de todos nós.

De que forma é que uma empresa como a Quidgest pode impulsionar o plano dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?

Sugere-se um olhar atento para as metas de cada ODS e uma reflecção sobre como podem contribuir dentro do “core business” da organização.

A Educação vive um momento de disrupção. Nestes últimos meses, surgiram múltiplas opções para o Ensino à distância. Acredita que a tecnologia pode também vir a facilitar a “Educação para o Desenvolvimento”, no sentido em que, ao dar acesso às ferramentas necessárias, os alunos de comunidades desfavorecidas podem ter acesso a aulas com professores especializados?

Conforme referido no ponto anterior, e não obstante o crescente recurso a plataformas digitais enquanto instrumento de disseminação de conhecimento e aprendizagem, nas geografias de intervenção privilegiadas do Cooperação Portuguesa subsistem limitações ao nível da cobertura de rede e custos associados que condicionam a generalização das soluções digitais, enquanto facilitadoras da “Educação para o Desenvolvimento”, especialmente aos alunos e professores das comunidades mais isoladas e desfavorecidas.
Todavia, temos que ser otimistas e em conjunto os trabalhamos nesse sentido, na perspetiva de “não deixar ninguém para trás”.

Que balanço faz da atuação de empresas e organismos públicos no cumprimento dos ODS durante 2020?

Tendo presente que não é uma competência do Camões, IP o acompanhamento dos progressos realizados no âmbito dos ODS-Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, parece-nos ser ainda cedo para tirarmos grandes conclusões sobre o verdadeiro impacto da pandemia na atuação das empresas e organismos públicos para o cumprimento dos ODS. O aumento da instabilidade e de incerteza vivido no ano de 2020 causou, certamente, impacto no desenvolvimento global. Todavia, estou igualmente certo que toda a situação pandémica veio reforçar a ação concertada de todos os atores, com adaptações à nova realidade e necessidades surgidas.

Dado que vivemos numa temporada pautada pela incerteza a nível mundial e o sucesso dos ODS depende de pressupostos como o crescimento económico sustentado e a globalização – e tendo como base o fluxo de informação que o Camões, IP recebe -, acredita que estes dois pontos se vão manter no topo da agenda dos governos e do sector privado em 2021?

Sim, acredito. Os ODS alteraram a forma de abordar a cooperação para o desenvolvimento, uma vez que os mesmos assentam em metas universais que devem ser implementadas por todos os países, e que obedecem a uma nova dinâmica de conjugação de esforços de uma multiplicidade de atores, entre os quais o sector privado.

  Esta entrevista faz parte da Quidnews #30. Veja a revista completa aqui.

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