Acredita que as tecnologias digitais podem apoiar o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)? Se sim, consegue indicar-nos os objetivos em que a tecnologia tem maior potencial de impacto? E quais as áreas que melhor podem usufruir da tecnologia?
A transição digital da economia global, potenciada pela pandemia, acelerou ainda mais a globalização. Em tempo real sabemos o que está a acontecer, podemos monitorizar ou até criar cenários futuros, e em larga medida isso deve-se ao avanço das ferramentas tecnológicas digitais.
Antes de mais gostaria de salientar o seguinte: Portugal tem um ecossistema tecnológico muito próprio. Hoje praticamente todos os setores de atividade nacionais têm, em alguma fase do seu processo, incorporação de tecnologia, seja na investigação, na produção ou na venda. A amplitude e a diversidade do tecido empresarial tecnológico português levam a que tanto as startup como as empresas mais maduras se afirmem nas suas áreas de atuação, tanto em território nacional como ao nível internacional. As suas competências, o know-how, a inovação, permitem que abracem desafios nos diversos pontos do globo, até num quadro de integração em projetos de instituições multilaterais.
Tomando como exemplo o projeto executado pela Quidgest em Moçambique – Programa Rapariga BIZ, que promove a educação, igualdade de género e a saúde e o bem-estar das mulheres, e que em tempo real monitoriza e analisa a eficácia da sua implementação. Outro exemplo a referir é o uso de ferramentas digitais nos setores da construção e urbanismo, águas, resíduos e saneamento que têm tido igualmente um papel determinante, sobretudo em países em desenvolvimento, permitindo o ordenamento das cidades, a irradicação de algumas doenças ou o acesso a água potável, promovendo, claro, o desenvolvimento económico e social das regiões.
As tecnologias têm um caráter universal e – nas diversas áreas – serão certamente uma ferramenta preciosa para atingirmos os objetivos. A transição digital está a ligar o mundo, reforçando a ideia de que a competitividade passa a estar mais relacionada com a capacidade de estar dentro da rede, e não tanto com a proximidade a recursos ou mesmo, nalguns casos, à procura.
Em comparação com 2015, altura em que as Nações Unidas desenharam e adotaram os ODS, a conjuntura socioeconómica está totalmente diferente devido à pandemia, que veio dificultar o cumprimento do programa. A 10 anos da meta, parece-lhe ainda possível atingirmos estes Objetivos?
Atualmente vivemos num contexto de grande incerteza porque, de forma abrupta, fomos atingidos sem exceção por uma pandemia.
Num quadro macro, a União Europeia não alterou as suas metas fundamentais. As transições gémeas – energética e digital – continuam a ser pilares de desenvolvimento, com planos que promovem uma economia moderna, respeitando os ecossistemas e o uso eficiente dos recursos. A recuperação do continente europeu passará certamente por uma solução “Justa, Verde e Digital”.
Numa perspetiva micro, outro dado interessante é analisarmos o facto dos países que integram a UE, mesmo neste período adverso, optarem pela compra de veículos elétricos, que em 2020 registaram um record de vendas. Estes exemplos refletem uma preocupação individual e coletiva da sociedade.
Portugal foi o primeiro país a assumir a neutralidade carbónica até 2050. Para atingirmos estes objetivos todos somos necessários – cidadãos, entidades públicas e empresas. O nosso país está completamente alinhado os objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Por vezes as metas podem ser ajustadas, não podemos é desviarmo-nos do objetivo final. A Europa – e Portugal – continuarão a ser influenciadores na construção de um sistema internacional mais justo, e percebemos bem que se não sairmos desta pandemia em conjunto – também com os países em desenvolvimento – não sairemos bem. Continuar a pugnar pelas metas dos ODS é central para um mundo mais equilibrado e mais justo.
Como podemos recuperar este ano durante a próxima década? Qual é a perceção internacional sobre as empresas de tecnologia nacionais? Quais são as maiores vantagens das empresas tecnológicas portuguesas no mercado internacional?
Até 2019, Portugal apresentava uma trajetória sólida de crescimento, com um aumento das exportações que se verificava há mais de uma década, fruto de estratégias empresariais assentes na qualidade, na diferenciação, no design, na flexibilidade, na incorporação tecnológica nos processos de produção ou na adaptabilidade face às necessidades do cliente.
Somos um país com setores competitivos e as competências de Portugal assumem cada vez mais relevância internacional. Somos igualmente diferentes no talento, com quadros altamente qualificados, com estabelecimentos de ensino profissional, superior e científico de excelência, boas estruturas de transporte e de comunicação, um desenvolvido ecossistema de acolhimento de IDE, redes de incubadoras e de inovação prestigiadas. A posição geoestratégica de Portugal potencia as relações triangulares entre a Europa, África e América, assim como a integração na União Europeia ou a adoção da moeda única são outros elementos que incrementam a nossa notoriedade. Aliados a estes e a outros indicadores, temos uma comunidade que recebe bem, multicultural.
Para além de atingirmos os maiores valores de sempre nas exportações de bens e serviços em 2019 também temos sido escolhidos para acolher investimento de relevo mundial, e todos estes fatores têm sido determinantes para atrair mais e melhor investimento. Um exemplo disto são algumas das maiores tecnológicas mundiais e alguns dos centros de I&D de marcas de referência (setor automóvel, aeronáutico ou saúde) escolherem o nosso país para se instalarem. Somos o país de acolhimento da Web Summit. Isto deve-se à nossa imagem como país – um país que faz bem. Os produtos – bens e serviços – nacionais têm selo de qualidade independentemente do setor, com condições para se afirmarem em qualquer mercado. Estes fatores continuam a posicionar-nos como bons exportadores de tecnologia e como território de acolhimento de investimento.
A estratégia para a próxima década, inserida no Programa Internacionalizar 2030, ao nível externo, visa a angariação de projetos de IDE que colmatem as falhas nas cadeias de valor e, em simultâneo, projetos que respondam aos desafios do futuro – como a digitalização, a transição energética (neutralidade carbónica), mobilidade sustentável, aumento da resiliência da economia europeia e maior autossuficiência em ativos estratégicos, entre outros, como referi acima; e ainda o reforço das ações de diplomacia económica, como o apoio da Rede Diplomática e rede da AICEP, na promoção da internacionalização dos nossos bens e serviços.
Na frente interna, o reforço da coordenação dos agentes territoriais e a qualificação dos territórios, nomeadamente, os de baixa densidade, promovendo assim o incremento da sua visibilidade e atratividade junto de potenciais investidores estrangeiros, e consequentemente, maior coesão territorial, assume-se como outro fator determinante. As metas do Governo passam, numa primeira fase, até 2023, recuperar os valores de 2019 (stock de IDE de 137 milhões de Euros e 44% de exportações sobre o PIB), para depois disso, e até 2027, um crescimento de 4% ao ano no stock de IDE e um peso de 50% de exportações sobre o PIB.
De que forma é que uma empresa como a Quidgest pode impulsionar o plano dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?
Na questão anterior já referi um exemplo, mas complemento referindo que a Quidgest tem atividade num leque interessante de mercados, alguns destinos até simpaticamente referidos como “não -habituais” para a realidade de internacionalização das empresas portuguesas. A sua atuação, através de soluções digitais e serviços de modernização, em países que não integram a OCDE permite que desenvolva projetos que contribuirão certamente para a construção de sociedades mais modernas e justas e mais alinhadas com os desafios do Desenvolvimento Sustentável.
Os Estados têm um papel determinante no plano dos ODS, mas as entidades privadas, como empresas e sociedade científica e civil, são certamente aliados determinantes na resolução desta equação. Estas caraterísticas do processo de internacionalização da Quidgest são elementos que gostaríamos de estender a mais empresas do setor exportador nacional.
Dos contactos que tem com outros decision-makers governamentais, encontra abertura ou interesse em falar sobre o cumprimento dos ODS numa perspetiva de cooperação internacional? E esse interesse muda consoante geografias? Se sim, quais são as zonas mais preocupadas com o plano das Nações Unidas e porquê?
A ligação da política internacional aos ODS está muito presente na relação Norte-Sul, em particular com África, com a América Latina e mesmo com algumas regiões da Ásia. E é aí, em particular nas iniciativas da banca multilateral, que se encontram aproximações às questões-chave de desenvolvimento de políticas tendes ao cumprimento dos ODS e onde o alinhamento de iniciativas públicas e privadas é essencial.
Em iniciativas de internacionalização, encontra – direta ou indiretamente – preocupação por parte dos países ou entidades que vão acolher empresas portuguesas em relação aos ODS?
Sem dúvida. E encontro no desenvolvimento de muitos projetos ligados ao cumprimento de ODS a necessidade de juntar competências que as empresas portuguesas possuem e conseguem desenvolver com parceiras locais. No setor da educação, da saúde, das infraestruturas de água e saneamento, assim como nas de transporte, entre outros, as empresas portuguesas apresentam um portfolio de projetos admirável que as distingue. Por exemplo, a atenção que as nossas soluções no setor da água e dos resíduos, ou mesmo nos serviços no âmbito da simplificação administrativa, são casos muito conhecidos e que as diferentes instituições multilaterais apresentam como boas práticas.