Inovação, I&D e empreendedorismo: vamos a balanços*
O início de um novo ano é sempre uma boa altura para olharmos até onde chegámos e identificarmos o que ainda queremos alcançar.
Gostaria de vos propor um overview geral para alguns dados sobre inovação e I&D na Europa, China – um player atualmente incontornável – e em Portugal, que muito nos dizem a propósito de onde estamos e onde queremos (e podemos) chegar.
Em setembro de 2022, a Comissão Europeia anunciou os resultados do European Innovation Scoreboard (EIS), o ranking europeu anual que procura medir e acompanhar o desempenho dos estados-membros (EM) nesta mesma área. O EIS concluía, então, que o desempenho médio europeu na área da inovação tem vindo a melhorar desde 2015.
A corrida pela inovação na Europa
Com base nas pontuações alcançadas, os países da União Europeia (UE) enquadram-se em quatro grupos de desempenho: Líderes em Inovação, Inovadores Fortes, Inovadores Moderados e Inovadores Emergentes. Os Líderes em Inovação têm um desempenho superior a 125% face à média da UE; os Inovadores Fortes situam-se entre os 100% e 125%; os Inovadores Moderados entre os 70% e 100%; e, por fim, são considerados Inovadores Emergentes os EM que atingem um score abaixo de 70% em relação à média da UE.
- A Suécia continua na linha da frente do pelotão dos Líderes em Inovação, ao apresentar o melhor desempenho na UE, seguida por Finlândia, Dinamarca, Países Baixos e Bélgica.
- Seguem-se Irlanda, Luxemburgo, Áustria, Alemanha, Chipre e França como Inovadores Fortes com desempenho acima da média da UE.
- Estónia, Eslovénia, Chéquia, Itália, Espanha, Portugal, Malta, Lituânia e Grécia aparecem logo de seguida, considerados Inovadores Moderados.
- Hungria, Croácia, Eslováquia, Polónia, Letónia, Bulgária e Roménia chegam, por fim, na categoria de Inovadores Emergentes.
Estes dados revelam, desde já, que existe uma clara divisão regional: os Líderes em Inovação e os Inovadores Fortes concentram-se principalmente na Europa do Norte e Ocidental, enquanto a maioria dos Inovadores Moderados e dos Inovadores Emergentes se localizam no Sul e Leste europeus.
Mas esta corrida ficaria incompleta sem olharmos para o Global Innovation Index 2022 (GII 2022), publicado pela WIPO – World Intellectual Property Organization, organismo das Nações Unidas, que nos indica que a campeã mundial não figura no EIS, mas é ela também europeia: a Suíça. Se olharmos ainda para o TOP 20 do mesmo estudo, verificamos que os mesmos 11 países mais a R.A.E. Hong Kong (China) surgem no TOP 20 do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2021, divulgado igualmente pelas Nações Unidas. Coincidência?
A concorrência chinesa
No período entre 2015 a 2022, a UE melhorou a sua posição relativamente a quase todos os todos os concorrentes globais analisados: EUA, Coreia do Sul, Austrália e Canadá, com exceção da China.
De acordo com o GII 2022, a China é o 11º maior inovador de entre os 132 países presentes no ranking. Dos parâmetros considerados, apenas em “Instituições” não figura no TOP 25. O país destaca-se também por ser o único país no TOP 20 da inovação mundial cujo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) não é considerado “Muito Alto”, mas apenas “Alto”.
Como se explica então este sucesso na inovação? De acordo com a OCDE, a China encontrava-se, em 2020, no TOP 15 de países que dedicavam maior percentagem do seu PIB à Investigação e Desenvolvimento (I&D), valor superior ao de economias como França, Países Baixos ou Canadá. Não foi ainda apurado o ranking para os dois últimos anos.
Alguns autores como G. Bin Zhao, economista sénior na PwC China, consideram que apesar do seu progresso, o Império do Meio precisa ainda de “melhorar a sua capacidade de transformar conquistas científicas e tecnológicas em produtos e serviços”, dado que algumas tecnologias core (ou componentes como semicondutores ou chips) ainda precisam obrigatoriamente de ser importadas.
Aquela que é a segunda maior economia mundial possui a maior base manufatureira do mundo, encontrando-se o seu setor industrial a mover-se em direção ao segmento médio e superior da cadeia de valor global, onde a inovação é chave no que respeita a um crescimento sustentável.
As indústrias emergentes estratégicas foram essenciais para garantir um desenvolvimento de alta qualidade. Enquanto isso, a economia digital injetou uma nova vitalidade no desenvolvimento económico do país.
Com um sólido braço industrial aliado ao forte investimento em I&D, a China tem potencial para criar inovações de classe mundial.
Uma última nota: de acordo com o Governo chinês, 82,7% do investimento em I&D foi dedicado ao desenvolvimento experimental, seguido de apenas 11,3% para a investigação aplicada e 6% para a investigação fundamental (dados de 2020). 76,6% do investimento destinou-se ao setor empresarial, o que denota uma aposta na inovação orientada ao mercado.
A realidade portuguesa
Em 2022, Portugal subiu duas posições no ranking do EIS, para o 17º lugar entre os 27 EM considerados.
O nosso país ultrapassa a performance média da UE quanto à disponibilidade de recursos humanos altamente qualificados, à atratividade do sistema de investigação, à digitalização e à utilização das tecnologias de informação. Apresenta também valores acima da média da UE em indicadores como o nascimento de novas empresas, o total de atividade empreendedora, os fluxos líquidos de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) em percentagem do PIB e os não-inovadores com potencial para inovar.
Portugal apresenta, no entanto, uma performance inferior a 80% quando comparado à média europeia no que respeita ao investimento das empresas em inovação, registo de Propriedade Intelectual (PI), impacto da inovação nas vendas das empresas e sustentabilidade ambiental.
As maiores fragilidades do sistema nacional de inovação são, no entanto, as emissões atmosféricas por partículas finas, as despesas empresariais em inovação por pessoa ao serviço, a produtividade dos recursos consumidos, assim como as PME que inovam de forma colaborativa.
O EIS 2022 é, contudo, ainda inconclusivo relativamente ao impacto transversal da pandemia de COVID-19 nesta área. Segundo a Agência Nacional de Inovação (ANI), a classificação nacional no EIS 2022 sofreu com a revisão metodológica de 2021, na qual o número de indicadores considerados passou de 26 para 32, fazendo com que o nosso país abandonasse o grupo de países Fortemente Inovadores, onde figurava em 2020. De forma global, no entanto, é possível concluir-se que o desempenho nacional aumentou 6,4% desde 2015.
Se considerarmos o GII 2022, Portugal ocupa o 32º lugar, mais uma vez (curiosamente ou não), posição próxima à revelada pelo relatório do IDH 2021/2022, que coloca Portugal em 38º.
De acordo com o Ministério da Economia e Transição Digital, em 2021, o peso do investimento em I&D em percentagem do PIB nacional permaneceu inferior à média europeia (1,58% vs. 2,32%).
Uma observação relevante prende-se com a despesa total em I&D desenvolvida pelo setor empresarial: em Portugal, o seu peso é de apenas 57%; por comparação, a média da UE a 27 ronda os 66% (2020). O Ensino Superior pesa mais na equação portuguesa (36% em Portugal, por oposição a 22% na UE27).
No que respeita às mais recentes políticas públicas nacionais no setor, destacam-se as definidas ainda no âmbito do Portugal 2020, do INCoDe.2030 e do Programa Interface (Centros de Interface, Clusters e CoLabs) e do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) com as Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial.
Empreendedorismo made in Portugal
O empreendedorismo tem constituído uma prioridade das políticas públicas, destacando-se a Estratégia Startup Portugal, que visa criar um ecossistema favorável, atrair investidores e apoiar financeiramente o desenvolvimento de startups. Apesar do atual contexto pandémico, os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que foram criadas 36.541 empresas, o dobro praticamente do número de dissoluções (16.941), demonstrando resiliência por parte destas empresas.
Também segundo o Global Entrepreuneurship Monitor (GEM) 2019-2020, da London Business School e Babson College, Portugal é a 38ª entre as 54 economias consideradas pelo GEM Index – National Entrepreneurship Context Index (NECI).
No que respeita especificamente às startups e às cidades mais propícias ao seu desenvolvimento, analisados os parâmetros relativos à quantidade, qualidade e ambiente de negócios, Lisboa (83ª), Porto (136ª) e Braga (432ª) foram as cidades portuguesas com melhor classificação obtida em 2022, de entre 1000 cidades consideradas pelo ranking da HelloSafe/ Startup Blink.
Lisboa: 17.ª posição no ranking europeu
Considerando os melhores países para criar e desenvolver uma startup, Portugal classifica-se como 28º ao nível mundial e 16º ao nível europeu. O nosso país tinha, em 2020, de acordo com a Startup Portugal, mais de 2000 startups registadas, uma concentração per capita superior em 13% à média europeia. O número, em 2022, deverá ser semelhante. Portugal fechou o ano com 165 incubadoras e aceleradoras e 57 programas de investimentos ativos.
Teve ainda, em 2022, o 3º maior crescimento no capital investido em startups na Europa (The State of European Tech 2022, Atomico), tendo experienciado um aumento de 3,4 vezes relativamente a 2021.
Cabe mencionar igualmente a importância de políticas que visaram diretamente o recrutamento e a mobilidade de talento na área de IT, tais como D7 / Passive Income Visa, Digital Nomad Visa, Tech Visa, StartUpVisa, entre outras. Não deixa de ser interessante que Portugal foi o único país do estudo que verificou uma redução do número de profissões “Hard to fill” na área das TI.
E foi mesmo na reta final de 2022 que o Governo aprovou o enquadramento legal e regulação de benefícios fiscais para startups, reforçando assim o sistema de incentivos fiscais em I&D empresarial (SIFIDE II).
Neste contexto, foram definidos, pela primeira vez, o conceito legal de startup e scaleup, assim como o seu processo de reconhecimento, avanços que muito contribuirão para o reforço do ecossistema nacional de empreendedorismo e a definição de políticas específicas de investimento.
De olhos postos no futuro, o objetivo de todas estas políticas é que Portugal passe a ser um dos habitats mais competitivos e propensos à inovação da Europa, garantindo condições eficientes para o estabelecimento e manutenção de startups e outros modelos de empresas disruptivas.
As TI como motor de inovação
É reconhecido que estas empresas têm em comum um modelo de negócio inovador e uma atividade alicerçada na digitalização e inovação.
Aqui, as TI desempenham um papel crucial na sua disseminação em todos os setores da economia. E empresas que lideram o caminho em últimas tendências como, entre outras, a Generative AI aplicada à criação automatizada de texto, música, vídeo ou código (e aqui destaco a #Quidgest e a sua plataforma Genio), terão seguramente em 2023 um papel de protagonismo na transformação das diferentes indústrias, abrindo novas oportunidades em áreas como saúde, educação, finanças e muitas outras.
A colaboração entre as empresas de TI, o mundo académico, o tecido empresarial nacional (e clusters de competitividade), e mesmo o Estado e o seu setor empresarial representa um eixo absolutamente estratégico para potencializarmos ao máximo todas as possibilidades que a I&D em novas tecnologias trazem e continuarmos a impulsionar os indicadores de inovação descritos neste artigo.
*Este artigo foi originalmente publicado na edição 21 da newDATAmagazine.