Business Technologists procuram-se!*
Se ainda não viu um anúncio de emprego semelhante ao título deste artigo, fique atento, porque a procura por estes profissionais vai intensificar-se ainda mais. Ao serem profundamente conhecedores do negócio onde operam, os business technologists são capazes de traduzir os requisitos do negócio em soluções tecnológicas, sem precisar de escrever uma única linha de código! Ou seja, sem precisarem depender dos programadores tradicionais para alavancar a produtividade, a colaboração, a transformação digital e a inovação a partir de dentro das suas organizações.
O termo ‘business technologist’ (que em português tem sido traduzido como ‘tecnólogo empresarial’ ou ainda ‘especialista em tecnologia para negócios’), é explicado pela Gartner da seguinte forma: “They are employees who build technology or analytics capabilities for internal and external business use, but exist outside of IT departments. It’s a strategic role that equips and empowers non-IT resources to build digital capabilities”.1
Numa realidade onde o negócio parece ganhar às TI – ideia que Jeff Immelt, ex-CEO da General Electric, já apregoava em 2015 com a frase “O negócio está a conduzir a tecnologia mais do que a tecnologia está a conduzir o negócio”2 – estes profissionais não só compreendem como funciona a tecnologia, como sabem trabalhar com ela e criar as suas próprias soluções digitais. São capazes de desenvolver, gerir projetos, comunicar, automatizar, gerir riscos, pensar de forma crítica e resolver problemas. Tudo isto, ‘ligando os pontos’ entre as operações, o marketing, as vendas, o produto ou o serviço ao cliente e as equipas de engenharia, de modo a identificarem tanto os pontos críticos do negócio como as melhorias e soluções tecnológicas necessárias para os resolver.
Nas palavras de James Kaplan, Principal na McKinsey & Company, este profissional pode ser encontrado nos vários níveis e departamentos de uma organização: “It includes not only the CIO and all the CIO’s reports who may be working on issues of technology strategy, or in technology delivery, but also many people in business units, or business functions, who are charged with thinking about what technology investments will create the most business value”3.
A pandemia ajudou a precipitar ainda mais a urgência em torno de conceitos como a transformação digital, a liderança colaborativa, o time to market ou o apoio remoto ao cliente.
O trabalho da entrega digital, que antes era da exclusiva responsabilidade das equipas de TI, foi popularizado, através da hiperautomação, da GenAI (Generative Artificial Intelligence) e das ferramentas de desenvolvimento low-code e no-code, levando a que as fronteiras entre os departamentos de TI e não TI sejam não só ténues como paulatinamente inexistentes – e as responsabilidades, ferramentas e estratégias de criação de soluções digitais estejam hoje nas mãos das unidades de negócio e de profissionais multidisciplinares e multinegócio.
Uma de 97 milhões de novas profissões
Os business technologists já perfazem perto de metade da força de trabalho global, explica Jason Wong, VP Analyst na Gartner à IT Brew: “In an average company, 41% of all employees can be called a ‘business technologist’, meaning they in their role are creating an app, a digital form, an integration, an automation, a bot, a data model algorithm”4.
Mas este número varia significativamente de acordo com a indústria, refere ainda o especialista – está mais próximo dos 25% em setores menos tecnológicos ou entidades governamentais, mas sobe para os perto de 50% nos setores mais fortemente dedicados às TI.
No atual contexto de requalificação massiva da economia digital, acelerado pela pandemia e por movimentos globais como o Great Resignation (ou Great Re-evaluation5, como lhe chamou Alain Dehaze, CEO do Grupo as Adecco), estes business technologists incluem-se nos 97 milhões de novas funções e profissões que prometem surgir até 2025. Profissões que, segundo o World Economic Forum6, vão continuar a multiplicar-se à medida que humanos, máquinas e algoritmos trabalham, cada vez, mais em conjunto para acelerar a transição para uma economia mais sustentável impulsionada pela digitalização, a automatização de processos e do trabalho do conhecimento, a criação de novas plataformas, novos paradigmas de negócio e novas soluções exigidas pela transformação digital.
De agente da mudança a agente da inovação
Os business technologists fomentam as chamadas equipas de fusão, ao interagirem e trabalharem com equipas multidisciplinares que combinam tecnologia e outros conhecimentos de domínio específico (vendas, marketing, TI, etc.) para o desempenho da sua função. Esta sinergia promove a criação de novos produtos ou serviços e gera melhorias contínuas na entrega dos produtos e serviços já existentes.
Por trabalhar com departamentos interfuncionais dentro da organização, a figura do business technologist tem o poder de contribuir transversalmente para a promoção da mudança, o alinhamento do pensamento estratégico e a partilha de conhecimentos, tendências e oportunidades emergentes sobre como a tecnologia pode ser utilizada para atingir os objetivos de negócio.
Como cocriadores de uma estratégia de negócio data-driven, estes profissionais aplicam igualmente os seus conhecimentos e experiência para ajudar a organização a tomar decisões informadas, com base na análise de dados. Eles recolhem, analisam e interpretam dados para identificar tendências e oportunidades, e usam essa informação para apoiar a tomada de decisões mais estratégicas, mais controladas ou, ou invés disso, mais disruptivas.
O facto de a tecnologia deixar de estar reservada aos profissionais de TI faz com que os business technologists sejam verdadeiros agentes não só da mudança, como da inovação. Os estudos demonstram que as organizações que apoiam eficazmente colaboradores a assumirem esta função são 2,6 vezes mais propensas a acelerar a transformação digital7.
Porém, em última instância, a inovação contínua é uma responsabilidade de todos – todos e cada um de nós podem contribuir (à sua maneira e de acordo com a sua personalidade e competências) para que ela aconteça e para que todos possam dela beneficiar.
6 tendências de transformação digital aceleradas pelos business technologists
1. Dissolução da barreira entre a informática e o negócio
2. Fusão da estratégia digital com a estratégia da empresa
3. Emergência de novas profissões digitais, já não focadas em código
4. Substituição dos muitos sistemas obsoletos que ainda sustentam as organizações
5. Redução drástica dos tempos que medeiam entre a ideação e a entrada em produção das soluções digitais
6. Disponibilização contínua, diária, de versões melhoradas das soluções
O novo papel dos CIO
Os Chief Information Officers (CIO) continuam a ter grandes responsabilidades operacionais dentro dos seus departamentos – sobretudo como mentores dos novos criadores digitais. Motivo?: Para que a utilização de ferramentas e plataformas se faça em segurança e em conformidade regulamentar e porque até o no-code necessita de profissionais de TI que possam intervir, quando necessário, nas várias layers de abstração que permitem aos business technologists ser criadores digitais.
Contudo, a nova missão dos CIO passa por colaborar com os business technologists para que estes consigam criar autonomamente soluções digitais específicas, ágeis e prioritárias. O seu novo papel vai mais além das TI e passa por usar (e ensinar a usar) a tecnologia, sustentada por outras áreas de saber, ao serviço do negócio.
Esta combinação, que reúne o melhor dos dois mundos, resulta em maior entendimento e domínio do negócio, maior cooperação e partilha de responsabilidades dentro da organização (pela tecnologia e pelos resultados de negócio), melhores experiências digitais integradas e omnicanal, otimização de sistemas complexos através da análise preditiva e maior proximidade com o cliente, para citar algumas das mais-valias.
Um futuro com pouco – ou zero – código
A Gartner8 antevê que, até 2025, seja este o futuro: “by 2025, 70% of new applications developed at enterprises will use low-code or no-code technologies, up from less than 25% in 2020. It also projects that the percentage of users for these apps who aren’t members of a traditional IT department will grow to 80% by 2026, up from 60% in 2021”.
Neste cenário, onde mais de metade das soluções digitais vão passar a ser feitas com plataformas movidas a inteligência artificial, com recurso a automação e modelação, ou com interfaces drag & drop, todos os profissionais que não dominam a 100% as linguagens de programação vão poder participar como atores principais da Transformação Digital – atuando como business technologists, engenheiros do conhecimento, citizen technologists ou citizen developers9. E sem precisarem de escrever uma única linha de código.
Mas esta revolução não se centra apenas nas pessoas fora das TI, também impacta diretamente o dia a dia dos software developers9. Se, no passado, estes profissionais viviam sobrecarregados com trabalho repetitivo (cansativo e também mais sujeito a erro humano) de escrita de código manual, hoje podem tirar partido das plataformas de Generative AI, low-code e no-code para gerar rapidamente websites, aplicações e uma vasta gama de outras soluções digitais.
Como resultado, os programadores podem realizar as suas tarefas em menos tempo, podendo escalar a sua produtividade e focar-se em tarefas mais complexas, criativas e com maior valor acrescentado.
Desenvolvimento de software ao alcance de todos
Este cenário recorda-nos o sonho de Tim Berners-Lee e eleva-o a um novo patamar de realização. O conhecido ‘pai da Internet’ idealizou a World Wide Web para todos, imaginando um sistema aberto e acessível a qualquer pessoa, independentemente das suas competências técnicas e acesso a recursos, projetando o sistema para ser fácil de usar e entender, com hiperlinks que permitem a navegação simples entre páginas web e endereços URL fáceis de copiar e partilhar. Também Bill Gates ficou conhecido por uma visão semelhante expressa na frase “a computer on every desk and in every home”10.
Esta acaba por ser a mesma filosofia por trás das plataformas de prompt engineering, cujo propósito passa também por democratizar o desenvolvimento de soluções tecnológicas, permitindo que pessoas sem conhecimentos técnicos avançados possam criar software e soluções digitais sem precisarem de ser proficientes em diferentes linguagens de programação.
Pessoas de várias idades, contextos académicos, profissionais e socioculturais, dentro e fora das TI, que representam os vários grupos, conhecimentos e ambições de cada país podem hoje fazer ouvir a sua voz e colocar a sua perspetiva em produtos e serviços digitais cada vez mais representativos (ou menos enviesados), inovadores – e ajustados às reais necessidades do seu negócio. Esta multiplicidade de experiências, vivências, conhecimentos e negócios que se conectam em novos ambientes de cocriação e coexperimentação tecnológica abertos a todos é o novo combustível da inovação e da competitividade dentro das organizações.
Podemos, a este propósito, lembrar novamente Tim Berners-Lee: “There are billions of neurons in our brains, but what are neurons? Just cells. The brain has no knowledge until connections are made between neurons. All that we know, all that we are, comes from the way our neurons are connected”11. E complementar com outra citação, desta vez de Steve Jobs para a revista Wired, em 1996, para reforçar que esta tendência de democratização tecnológica fora das TI que não é uma ‘fórmula de sucesso’ de agora: “Creativity is just connecting things. When you ask creative people how they did something, they feel a little guilty because they didn’t really do it, they just saw something. It seemed obvious to them after a while. That’s because they were able to connect experiences they’ve had and synthesize new things. And the reason they were able to do that was that they’ve had more experiences or they have thought more about their experiences than other people… Unfortunately, that’s too rare a commodity. A lot of people in our industry haven’t had very diverse experiences. So they don’t have enough dots to connect, and they end up with very linear solutions without a broad perspective on the problem. The broader one’s understanding of the human experience, the better design we will have”12.
“We need diversity of thought in the world to face the new challenges.”
Tim Berners-Lee
Em busca dos novos génios digitais
O digital é a revolução tecnológica dos nossos dias e é do digital que depende a competitividade de empresas e nações. Porém, não existem criadores de soluções digitais em número suficiente para sustentar esta revolução e assegurar que a tecnologia chega rapidamente a todos os processos que dela necessitam. De acordo com um relatório da Eurostat, mais de 50% das empresas da União Europeia têm dificuldades em recrutar profissionais de TI qualificados. Do outro lado do mundo, o US Labor Department estima que a escassez de software engineers possa chegar aos 85.2 milhões até 203013.
Para fomentar a inovação de que o mercado e o mundo necessitam e promover os inovadores internos, torna-se necessário capacitar muitos mais profissionais, dentro das organizações, com tecnologias digitais poderosas. Para a Quidgest, a resposta está na IA e na modelação aplicadas à geração de software, de forma a permitir a rápida requalificação de um número elevado de pessoas que vieram do negócio, não da informática, e conseguem ser tão proficientes quanto os informáticos na criação de software. No fundo, profissionais que têm as competências para aprender a modelar, mas não as competências ou a disponibilidade para escrever código.
A plataforma Genio é a prova viva desta tese, já que permite, de forma pioneira há já mais de 30 anos, criar soluções de software a um nível mais elevado de abstração – e, por isso, mais facilmente entendível por humanos, usando padrões para modelar e não código de programação.
Referências:
- Gartner (2021). The Rise of Business Technologists
- GE and the end of management as we know it. Forbes, 28 janeiro 2015
- McKinsey Podcast (2016). Becoming a better business technologist
- IT talent gap? Try skipping the code. IT Brew, 19 janeiro 2023
- 6 world of work trends set to shape 2022. World Economic Forum, 7 janeiro 2022.
- From medicine drones to coral cleaners: 3 ‘jobs of the future’ that are already here. World Economic Forum, 25 maio 2022
- Gartner (2021). The Rise of Business Technologists
- Gartner Forecasts Worldwide Low-Code Development Technologies Market to Grow 20% in 2023. Gartner, 13 dezembro 2022
- A Gartner distingue estes dois conceitos da seguinte forma: “A citizen developer is an employee who creates application capabilities for consumption by themselves or others, using tools that are not actively forbidden by IT or business units. A citizen developer is a persona, not a title or targeted role. They report to a business unit or function other than IT. All citizen developers are business technologists. However, all business technologists are not necessarily citizen developers. There is no required designation of proficiency or time allocation for citizen developers but they must be legal employees of an organization.” Ver mais em: https://www.gartner.com/en/information-technology/glossary/citizen-developer
- It’s been 40 years since Bill Gates and Paul Allen founded Microsoft. CNN Business, 6 abril 2015
- Berners-Lee, T., & Fischetti, M. (1999). Weaving the Web: the original design and ultimate destiny of the World Wide Web by its inventor. San Francisco: Harper San Francisco.
- “Steve Jobs: The Next Insanely Great Thing”. Wired, fevereiro de 1996
- Is There A Developer Shortage? Yes, But The Problem Is More Complicated Than It Looks. Forbes, 8 junho 2021
*Este artigo é tema central na edição n.º 33 da QuidNEWS. Leia a edição completa aqui.