Quando as mulheres são deixadas para trás na tecnologia, todos pagamos o preço*
Num tempo em que a tecnologia define o ritmo do desenvolvimento e o software é uma das áreas com maior crescimento e empregabilidade, as mulheres ainda são maioritariamente figurantes e não protagonistas da transformação digital.
De acordo com o estudo “Women in Tech: the best bet to solve Europe’s talent shortage”, da McKinsey & Company, a presença de mulheres em empresas tecnológicas ou ligadas ao setor tecnológico é de apenas 37% – e a maioria trabalha em áreas mais funcionais, como redes sociais (50%) ou e-commerce (46%); sendo os cargos mais técnicos, como engenharia, arquitetura de redes, ciência e análise de dados, cloud, entre outras, ocupadas geralmente por homens.
A importância da inclusão feminina afeta profundamente a diversidade de perspetivas em produtos e soluções, bem como o desenvolvimento de uma cultura organizacional mais inclusiva e representativa. Trata-se ainda de um desperdício colossal de potencial económico causado por uma sub-representação de género. Para termos uma ideia, o mesmo estudo da McKinsey revela que se a presença feminina duplicasse até 2027, o PIB da UE poderia disparar até aos 600 mil milhões de euros.
A diversidade de género nas empresas não é uma questão de quotas ou de mera formalidade. É um motor de desempenho e produtividade superiores. É inclusivamente um compromisso assumido por mais de 63% das empresas da Fortune 500 na Europa, enquadrado no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 5 da Organização das Nações Unidas – a Igualdade de Género.
Vários estudos mostram que as equipas com diversidade de género são mais propensas a alcançar resultados acima da média. A contribuição feminina na tecnologia é, portanto, crucial não só para promover a igualdade, mas também para impulsionar a competitividade e o crescimento económico.
Como em todas as outras áreas de trabalho, as mulheres são uma mais-valia, porque pensam e sentem os desafios e as oportunidades a partir de um outro prisma: têm uma boa capacidade de gestão e organização, forte sentido prático e maior facilidade em desenvolver competências sociais e humanas como comunicação, cuidado com o outro e empatia. Além disso, as mulheres possuem naturalmente um foco para negócios com impacto positivo na sociedade, não é por acaso que a maior parte das startups fundadas por mulheres se dediquem a áreas como saúde, educação, ambiente, sustentabilidade ou ação social.
Barreiras por ultrapassar
Como CEO de uma empresa tecnológica, reconheço que faço parte de uma minoria de mulheres que ocupam cargos de liderança em setores tradicionalmente “masculinos” – na UE, as mulheres ocupam apenas 8% dos cargos de CEO, e em Portugal o número cai para 6%. Isto porque as barreiras enfrentadas por elas são ainda muitas: preconceitos, estereótipos, assédio, falta de incentivo na formação (apenas 34% dos licenciados em Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática são mulheres) e de representatividade (modelos femininos em cargos de topo), diferenças de salário (as mulheres ganham 12.7% menos do que os homens), maiores responsabilidades na assistência familiar, e a própria autoexigência feminina (as mulheres sentem que têm de trabalhar o dobro para provar o seu valor, mesmo na candidatura a vagas e emprego, elas entendem que precisam de ter 100% dos requisitos, enquanto eles concorrem com apenas 60%, diz-nos a Harvard Business Review).
No entanto, iniciativas de empresas comprometidas com a diversidade, como a Quidgest, que promove a inclusão feminina através de modelos de trabalho flexíveis, formação gratuita em desenvolvimento de software e competências digitais e possui uma força de trabalho diversa, composta por 43% de mulheres, são alguns dos caminhos para superar estas barreiras.
Mas há outros passos a serem dados para esta jornada da igualdade de género: a inclusão, na educação e no desenvolvimento pessoal, desde cedo, de assuntos relacionados com a tecnologia; o acesso a informação de qualidade sobre tecnologia para “desmitificar” o setor; a criação de redes de apoio e networking para apoiar e empoderar as mulheres na tecnologia; a criação de políticas inclusivas de recrutamento, seleção e retenção, bem como de mentoria e promoção de carreira, dentro das empresas; a requalificação de mulheres adultas na área; e o maior envolvimento e colaboração entre decisores políticos, tecido empresarial e/ou empreendedor e universidades para colmatar esta lacuna.
A história já nos brindou com Nicole-Reine Lepaute, que calculou o regresso do Cometa Halley no século XVIII, Ada Lovelace, pioneira da programação de computadores no século XIX, mulheres matemáticas que trabalharam como computadores humanos durante a 2ª Guerra Mundial, Katherine Johnson, que se destacou durante a era espacial americana, e Mary Wilkes, que criou um dos primeiros PC nos anos 60, entre muitas outras.
O potencial das mulheres no campo tecnológico é imenso. Mas continua a ser inexplorado e há toda uma fileira de gerações de meninas e mulheres a quem inspirar, motivar e apoiar. O que estamos, cada um de nós, e a partir do lugar que ocupamos nas nossas famílias, empresas, comunidades, escolas e universidades, a fazer para que isso aconteça?
Vale a pena refletir sobre isto no Dia Internacional da Mulher, um dia que deve ser lembrado e trabalhado não só uma vez por ano, mas sim todos os dias.
*Este artigo foi publicado originalmente na Expresso.